sexta-feira, 16 de julho de 2010

Finalmente foi publicado o aguardado edital do MPU, com 593 vagas, além de cadastro de reserva. Muita gente não sabe, mas as 6.804 vagas que estão sendo aprovadas pelo Congresso Nacional podem ser destinadas aos participantes deste concurso. Não é necessário, em casos como esse, que a lei seja sancionada antes da publicação do edital. Os desinformados, portanto, perderão uma excelente oportunidade de aprovação, haja vista a grande quantidade de convocações que haverá no certame.

Como acontece em todos os editais de concursos (repito: todos), alguns equívocos trarão prejuízos aos candidatos ou parte deles. O mais gritante é a estipulação de requisito para acesso aos cargos, possibilidade vedada pela Constituição Federal (art. 37, inciso I), que atribui tal poder à lei. Tratei do tema detalhadamente no texto “Análise jurídico-positiva do princípio da acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas”, disponível na internet. Atualmente há poucas decisões em sentido contrário, uma vez que o STF tem se pronunciado com boa frequência sobre o tema. Não se pode admitir, naturalmente, a delegação da tarefa, tipicamente legiferante, ao edital, como parece discretamente pretender o §1º do artigo 7º da Lei nº 11.415, e como quis o legislador paulista no estatuto do servidor, há décadas, o que foi invariavelmente rechaçado pelo STF. Para exemplificar tomemos o caso do cargo de Analista de Arqueologia, em relação ao qual o edital exige habilitação específica, mestrado ou doutorado em Arqueologia. Parece lógica e natural a exigência, não fosse a regra constitucional, cujo desrespeito atinge frontalmente o direito de milhares de pessoas, pois em verdade o que ocorre é que o legislador foi substituído pela Administração, seja por órgão colegiado ou autoridade monocrática. Note-se que a lei criou o cargo de Analista, e permitir que a regulamentação do concurso restrinja a participação das pessoas, numa espécie de “norma concursal em branco”, viola o preceito maior.

A profissão de Arqueólogo, como tantas outras em nosso País, ainda carece de normatização. Depois das tentativas de dois Deputados, a partir da década de 1980, sem sucesso, a deputada Sandra Rosado (RN) apresentou nova proposta (912/2007), a qual já foi aprovada em algumas comissões, recebeu emenda supressiva, mas ainda não é lei. Nos casos de Analista na área de Arquitetura e Técnico de Enfermagem, por exemplo, já existem leis regendo a atividade (5194/66 e 7498/86), respaldando o edital. Mas em outros cargos isso não ocorre.

Na hipótese presente, de inexistência de norma legal que estipule o requisito tido pela administração como necessário, a solução seria cobrar rigorosamente conhecimentos específicos da área pretendida. Se alguém os adquire no curto tempo entre o edital e a prova, merece aplausos, aprovação e posse, mais do que quem alisou os bancos universitários ou do doutorado. O que há, em verdade, é uma descrença na eficácia da prova como elemento selecionador. As questões são repetitivas, pouco criativas e, por vezes, descuidadas. As provas são produzidas como o são os sapatos no Município de Franca.

A exigência de Carteira Nacional de Habilitação de categoria “D” ou "E" para o cargo de Técnico teria amparo no Código Brasileiro de Trânsito, não fosse um detalhe: a lei que criou o cargo não atribuiu ao Técnico a tarefa de conduzir veículos. Nenhuma ilegalidade há em se delegar o detalhamento de tarefas do cargo à regulamentação, mas a repercussão da norma inferior em aspecto tratado pela CF (estipulação de requisito), que comete à lei o poder de normatizar, representa efetivo entrave.

No que se refere às pessoas com deficiência, as violações já tradicionais aos seus direitos persistem, como por exemplo: a) foi fixado o percentual de reserva de vagas em relação ao quantitativo do edital, quando deveria se referir ao quadro (surpreende, mas é isso mesmo). No presente concurso, com a lei que será aprovada, isso é mais grave; b) a exigência de laudo médico antes do resultado da primeira fase é um fator que impede a participação de muita gente; c) conceder apenas um dia para a interposição de recurso (item 3.4.1.1) é o mesmo que negar o direito de recorrer (contratar advogado e especialista médico).

Por fim, para afastar dúvidas habituais, chamo a atenção do candidato para um detalhe que deixou muita gente sem fazer provas em concursos anteriores: a exigência de caneta esferográfica de tinta preta, fabricada em material transparente. Nenhuma ilegalidade há nesta louvável medida de segurança. Da mesma maneira, apesar de eventualmente acompanharmos reclamações diversas, a coleta de impressões das papilas digitais não viola qualquer direito, especialmente quando feita somente para os que não apresentarem seus documentos de identificação.


Waldir Santos*